21 novembro, 2006
Um novo significado para melancias, por Peter Fussy
Último filme do diretor taiwanês Tsai Ming-liang, "O sabor da melancia", incomoda tanto quanto a falta de água e deslumbra como um grande copo de suco em dia de verão seco
Assistir a O sabor da melancia é uma experiência interessante. Em alguns momentos o constrangimento faz você cogitar a idéia de deixar a sessão, em outros, os diálogos silenciosos e a eclosão surreal de performances musicais, no melhor estilo 'programa de auditório', fazem você soltar um leve sorriso, quem sabe até uma gargalhada, se a platéia acompanhar.
O enredo, não tão essencial, mostra a relação de dois personagens - um homem e uma mulher -, numa metrópole que enfrenta forte escassez de água e ao mesmo tempo uma infestação de formigas e de melancias, que se transformam em símbolo para revelar sentimentos ou são simplesmente utilizadas como acessórios sexuais. No filme, a falta de água pode ser contornada estocando garrafas com água roubada de latrinas ou com suco de melancia. O problema maior é a falta de habilidade nas relações pessoais.
Enquanto o máximo de conversa entre os protagonistas é um tímido "psiu", o romance é dolorosamente construído por meio de imagens metafóricas, sempre com a frieza do movimento de câmera quase nulo. A incomunicabilidade entre os seres humanos é um dos temas principais de Tsai Ming-liang, que aos 39 anos já recebeu um Urso de Prata no Festival de Berlim em 1996, pelo filme O rio, e um Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1994, por Vive L'amour. Lançado na Berlinale do ano passado, O sabor da melancia recebeu prêmio pela realização artística e provocou intenso debate com sua mistura de pornografia, solidão urbana e musical kitsch.
Se por um lado, o relacionamento não-verbal, entremeado com cenas pornôs e performances musicais que beiram o ridículo, incomoda tanto quanto a urgência de amor vivida pelos personagens; por outro lado, a fotografia meticulosamente calculada faz o espectador deleitar-se num mundo de possibilidades: bolas de sabão saem da torneira seca, melancias correm pelo rio, pessoas dormem em redes colocadas no vão livre das escadas de um prédio.
Uma interpretação romantizada, no seu sentido narrativo, seria insuficiente para dar idéia da provocação contida nas imagens, que vão brincando com as sensações, num efeito catártico, até um ousado clímax (literal) de agonia extrema.
O sabor da melancia
Título original: The Wayward Cloud / Tian bian yi duo yun
(2004, França / Taiwan, 112 min.).
Diretor: Tsai Ming-Ling
In Revista Cult (edição 108)
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