31 março, 2007

Cozinha da Amizade

Percorrendo com os olhos atentos e esperançosos os inúmeros volumes dedicados aos estudos de crítica literária, me deparei com um livro que me comoveu – Poetas românticos, críticos e outros loucos. Não tanto pelo tema do livro – uma vez que foge completamente do meu objeto de estudo, mas pela inclusão de um texto sobre Elizabeth David, intitulado O Livro de Receitas, uma Pastoral Romântica. Neste texto, originalmente escrito como resenha do livro de Elizabeth An Omelette and a Glass of Wine, Charles Rosen nos dá uma aula sobre o estilo dos livros de receitas, que segundo acredita, são verdadeiras obras pastorais:
“Os bons livros de receitas podem nos apresentar a cozinhas exóticas,
transportar-nos para o romântico Oriente (ou a Escandinávia ou a América Latina)
sem que precisemos pôr um pé fora de casa, mas os livros de receita que tocam o
coração com mais força são aqueles que nos fazem retroceder no tempo: à cozinha
da mamãe e às lembranças infantis ou à uma época antiga e mais
esplendorosa.(...) É um passado que podemos imaginar e recriar com os odores da
cozinha e recuperar simbolicamente apenas pelo ato de comer”.

Ao longo da resenha, o autor recupera algumas das influências de Elizabeth ao mesmo tempo que vai nos apresentando algumas referências-chave para se pensar a culinária – entendida aqui como a longa história que envolve, para além das técnicas de transformação do alimento, as relações sociais que perpassam o ato de comer. É quando surge a figura de Edouard de Pomiane, pesquisador do Institut Pasteur em Paris que, segundo o autor, praticava uma cozinha da amizade. E é esta imagem-síntese que me inspirou a escrever este post e dedicá-lo a todos os leitores deste blog, na certeza de que a prática diária da escrita bloguística tem como contrapartida a construção de uma rede emotiva tão cara a todos nós, homens que somos de nosso tempo histórico, tempo este que parece desfiar intensamente os tais laços de solidariedade tão fundamentais para a conformação da sociedade. Me sinto realmente amiga de todos que freqüentam o blog e de todos os autores dos blogs que leio – é como se praticássemos uma cozinha da amizade, tal qual a preconizada por Pomiane.

São suas as palavras:

Existem três tipos de jantares: os jantares de negócios, os oferecidos em
retribuição a convites e os jantares de amigos. (...) Suas receitas estão cheias
do desejo de agradar os amigos, não de impressioná-los ou deslumbrá-los.


Faço dele as minhas palavras - a nossa cozinha da amizade é assim!

2 comentários:

Cláudia A. disse...

Querida Lara, agradeço a sua visita ao Comfort Food e aguardo seus comentários sobre o que o seu aficcionado por bacalhau achou da receita. Além disso, parabéns pelo seu lindo texto, é a referida cozinha da amizade que me mobiliza a cozinhar e a oferecer meus pratos às pessoas que amo e agora a oferecer minhas receitas àqueles que visitam meu blog. Vou tentar encontrar o livro do Charles Rosen aqui na USP, gostaria de ler o texto na íntegra. Obrigada por compartilhar conosco suas receitas e seus textos. Um beijo, Cláudia.

Lua Limaverde disse...

Que lindo, concordo tanto com isso tudo, inclusive porque as pessoas em geral tendem a não entender a relação cozinha-mulher como um hobby e sim como algo relacionado à submissão feminina, o que nos torna uma comunidade tão bonita, em que todos podem entender e apreciar os feitos das outras. Pelo menos pra mim funciona assim. :)