22 agosto, 2006

Podemos comer arte?


Sei que tenho postado muito pouco. O que não significa que tenho pensado pouco sobre a culinária nos dias de hoje. Este boom gastronômico que estamos presenciando nos dias de hoje levanta algumas questões teóticas bem relevantes. Efetivamente não sei se estou no melhor caminho de reflexão sobre o fenômeno, mas resolvi experimentá-los ... Aí vai uma pequena amostra.

Uma das grandes contribuições dos estudos culturais, já sabemos, foi rasurar de vez as chamadas fronteiras entre as chamas alta e baixa culturas. Como conseqüência, dessacralizamos o conceito de arte, ampliando, ou melhor, multiplicando ao infinito, seus entendimentos. Se hoje já não podemos pensar numa arte pura, muito devemos ao movimento da pop arte, provavelmente o último movimento ecos dos movimentos de vanguarda da arte que revolucionaram a Europa do primeiro quartel do século XX. Mas se ele pode ser pensado como um último suspiro, pode também ser lido como o primeiro grito de uma nova estética que propunha uma reflexão sobre seus usos e desusos num mundo que rapidamente ganhava novos contornos. Andy Wahrol, o homem-manifesto da pop arte, nos legou uma espécie de didática desestetizante que colocava em xeque não apenas as possíveis funções sociais da arte, mas principalmente o chamado mercado de arte e sua delicada relação com o mundo do consumo. Não por outra razão escolheu para suas telas, retratos de ícones populares, como James Dean e Marilyn Monroe, mas também representantes das utopias políticas, como Che Guevara e Mão Tse-Tung. E ao lado destas figuras-chave da cultura reinante de então, colocou latas de sopa, biscoitos, farinhas. Bens de consumo imediato que, no imaginário que estava sendo conformado pela sociedade de massa, se igualavam, ou melhor, diziam a mesma coisa – sim caros cidadão, podemos e devemos comer arte.
Mas podemos mesmo comer arte? O que tenho verificado hoje em dia, é todo um movimento contrário, que vem a privilegiar a alta culinária. Basta pensarmos na grande cozinheiro do momento, o catalão Ferrán Adrà, e sua cozinha molecular e no seu brilhante discipulo Oriol Balaguer, autor do "melhor livro de receita de doce do mundo" e da "melhor sobremesa do mundo". Dono de uma sui generis butique de chocolates, localizada em Barcelona e em Tóquio, o próprio cozinheiro afirma:

- "A idéia era fazer uma butique que não lembrasse em nenhum momentop uma confeitaria ou uma loja de bombons. Consideramos que nosso produtos são jóias, e por isso decidimos dar esta estética de joalheria. Não existe nada na nossa butique que seja comum (...)"

Então eu me pergunto - será mesmo que um simples mortal pode provar estas pequenas jóias de chocolate? É isto o que a faz tão especial? Vendidos a preço de ouro, os bombons de Balaguer não dialogam com cidadãos mortais - são pensados e confeccionados para uma parcela ínfima da sociedade e contribuem, de fato, para um novo desenho institucional da gastronomia que, para além de elevá-la ao status de arte, a segrega, a sacraliza. Será mesmo que para sermos cozinheiros, precisamos fazer doutorado? Será que pelo simples fato de encararmos umas boas panelas podemos nos considerar os intelectuais do momento?